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Eu não queria estar a escrever neste momento isto, acreditem. Imaginava o momento, tentava-me preparar para ele, via-me a escrever a mensagem, e sempre que me perguntavam ” Estás preparado?“, a resposta era vaga, incerta, cheia de dúvidas mesclada com um conformismo superficial pela evidente deterioração física de que estavas a ser alvo, mas… no fundo, prevendo e aceitando o processo pelo qual, mais tarde ou mais cedo, a maior parte de nós passa, sentia medo.
Não quero referenciar a tristeza que sinto neste momento, não é para isso que aqui estou, sendo que essa está directamente ligada à perda. Quero antes aproveitar o tempo para fazer um brinde a nós, aos momentos que passámos juntos, foram marcantes e espectaculares (a sério! Eu sei que tu sabes). Intensos e regados de boa disposição misturada de partilha, de ensinamentos, de coisas que, mesmo sem as dizeres, eu as sentia. A forma como me ouvias, olhavas, e recebias os meus “conselhos” com ar de concordância, era brutal. Que sensação incrível, um filho poder sentir isso. Fazias-me sentir especial mesmo quando não dizias nada… que sabedoria…
Foram 41 anos maravilhosos. Mesmo com todas as naturais e incontornáveis vicissitudes inerentes a uma vida, foi espectacular – hoje sinto isso.
Desempenhaste de uma forma exímia o teu papel de pai. Embora gostasse de ter tido um irmão, conseguiste, ainda em tenra idade, nunca me fazer sentir a falta dele.
Para a história, e dentro de mim, guardo 4 décadas memoráveis. Todas vividas ao teu lado, até quando decidi construir família para poder continuar o teu legado. Sim, construístes um legado que eu prometo dar continuidade. Essa tua forma especial de estar, viver, e ver a vida merece ser divulgada, partilhada, recomendada, e perpetuada. Tenho a certeza que o mundo seria um lugar melhor para se viver se existissem mais filhos com pais como tu.
Agradecias-me todos os dias, e não o tinhas que fazer, pois foi sempre um gosto, um prazer, e uma honra, fazer por ti, o que outrora por mim fizeste – sou eu quem te agradece!
Deixaste o teu nome na história da minha vida, e eu prometo que vou deixar o teu (nosso) na história desta nação. É o mínimo que posso fazer por ti.
Quero que as minhas filhas, na hora em que eu partir, sintam o mesmo que estou neste momento a sentir por ti. Nem a dor da tua perda consegue apagar a memória da tua vida.
Aproveito este momento para fazer um reconhecimento muito especial à minha mulher – mas que nora! Ela foi umas das peças mais importantes deste processo nestes últimos 6 anos de desafios. Estando quase sempre nos bastidores, “encenou com mestria” o meu desempenho – Obrigado Fernanda, és a minha melhor metade. Nunca duvidei disso!
Ah! Quase me esquecia. O último beijo que recebeste foi dela (eu sei que tu sentiste). Consegui controlar o meu egoísmo nesse momento.
As 2 rosas brancas que levas contigo também foi ela que as colocou perto do teu rosto. Uma da cada lado. Simbolizam as tua netas. A mais nova, Maria, não teve a sorte da Marta, que ainda se deliciou com a tua presença nestes últimos anos. Mas não te preocupes, ela vai ficar a saber a pessoa maravilhosa que foste, o que fizeste, e de que forma me passaste valores tão importantes para uma vida (eu trato disso, prometo!).
Agradeço também a Deus (ou seja qual for a entidade que “regula” isto tudo), pela forma com que desenhou a minha vida provocando uma natural proximidade pelos desafios que “nos” foram colocados nestes últimos anos – não existe no meu entendimento programação mais perfeita do que esta. Quando participava na tua higiene diária, ajudando-te no banho, a desfazer a barba, a vestir, a sentar, a deitar, a comer… meu Deus que sensação boa (lá estou eu a ser mais uma vez egoísta!), poder fazer por ti, o que um dia fizeste por mim… Todos os filhos deveriam de sentir isto. E se não sentem, é porque não tiveram pais como eu tive – que orgulho!
Não te disse tudo o que havia para dizer, admito. Não consegui. O egoísmo de te querer ver bem fazendo-te acreditar que esta fase era passageira e que o importante era manteres um pensamento positivo, camuflava a dor que eu próprio sentia quando não acreditava no que estava a dizer – desculpa por isso.
Apetecia-me dar-te um abraço e dizer-te mil vezes o quanto te amo mas… embora te demonstrasse em todas as acções que pratiquei, e na forma como passámos estes últimos anos… agora sinto essa necessidade…
A tua cerimonia de despedida foi espectacular. Regada de boas memórias. Foste lembrado pelos melhores motivos e enaltecido pelas tuas ímpares competências, boa disposição, simpatia, carinho, amabilidade, e a maneira genuinamente carismática com que tratavas cada ser humano que contigo se cruzava. Estiveram presentes os teus familiares, e amigos próximos. Senti-me especial (obrigado também por isso). Conheci pessoas incríveis. Colegas de trabalho que tiveram o privilégio de privar contigo e comprovar o excelente coração de que eras portador. Para eles quero deixar também aqui o meu reconhecimento, por todas as palavras proferidas, lágrimas derramadas, e abraços sentidos – Obrigado a vocês todos.
Que sensação boa quando um filho se sente honrado pelos feitos do seu pai – sou teu eterno Fã!
De todos estes momentos quero destacar um que me deixou particularmente emocionado pela forma como se desenrolou. Recebi de um ex-colega de trabalho teu uma fotografia que marca o segundo em que deixaste de prestar serviço a esta autarquia. Ainda que retrate o teu rosto “meio” de perfil, dá para notar a emoção que estavas a sentir nessa hora, juntamente com a visível felicidade de quem nesse instante te entrega um ramo de flores – Obrigado António Murta.
Os teus familiares mais próximos foram incansáveis, e mesmo aqueles que não puderam estar fisicamente presentes, fizeram-no espiritualmente e eu senti-me reconfortado pelo respeito manifestado à tua última homenagem. Luísa, Fernando, Amélia, e José Eduardo, obrigado pelo apoio e pelas reconfortantes trocas de olhares que me tranquilizavam nas horas que eu mais precisava – grato mesmo! Ao meu tio Gil… aqueles breves minutos em que as palavras deixaram de fazer sentido significaram muito para mim – senti-me respeitado (e não o tinhas que fazer pela consideração que nutro por ti), obrigado!
A todos os outros que, à medida que o cortejo fúnebre se aproximava do destino, se foram juntando e manifestando todo o seu apoio, pesar, e reconhecimento à maravilhosa pessoa que foste (e continuarás a ser dentro de mim), um obrigado gigante.
Se existe o amor natural que um pai desenvolve pelo seu filho eu, graças a ti, fiquei a conhecer o que é o amor que um filho sente por um pai – Obrigado Pai!
Para concluir, e porque por mais que escreva nunca irá ser suficiente para reconhecer tudo o que sinto por ti, quero apenas pedir-te serenidade para aceitar as coisas que não posso mudar, coragem para mudar as que posso, e sabedoria para perceber a diferença.
Um beijinho do teu filho Manuel Manero.